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Contratenor Lino Ramos descobriu sua vocação lavando as janelas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Julho de 2010. Um jovem negro de 18 anos, da periferia da Baixada Fluminense, recebe, através de uma amiga, a proposta de ganhar um dinheiro extra: a de lavar as janelas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, durante a semana de aniversário de 103 anos. Desafio aceito. Marcos Vinícius dos Santos Ramos (Lino Ramos), nunca havia entrado no Municipal e ficou encantado! Conheceu alguns espaços internos e permaneceu de olho na agitação dos bastidores.

“Estávamos realizando a limpeza das janelas do camarim do coro, quando de repente, um magnífico acorde vocal ecoou, de forma majestosa, convicta, expressiva. Todos ali pararam por segundos impressionados com aquela peculiaridade harmônica. Lembro como se fosse hoje de escutar o som, me arrepiar, olhar pra minha amiga e dizer: ‘Nossa!’, e quando menos esperávamos, o acorde se repetiu. Me arrepio até hoje, como se fosse ontem. Desci pra ver o que estava acontecendo, passei pela coxia, dando a volta até chegar à entrada da plateia, abri uma fresta na cortina de acesso e avistei uma das mais belas formações musicais que já tinha visto: imenso palco, coro em seus praticáveis, orquestra posicionada e o maestro dando as coordenadas. Olhei apaixonado pela magia que aquele lugar proporcionava e pensei, eu quero viver isso, a música! Esse foi o dia do “Chamado” – ressalta Lino Ramos, emocionado. 

Na noite seguinte, o jovem foi assistir como espectador, no próprio Theatro, ao Concerto de Gala com Coro, Orquestra e solistas – um pot-pourri de Verdi, gratuito ao público. Enquanto aguardava o início da apresentação, ele conheceu o casal Eleonora e José. Ela era professora de piano e explicou a história do que aconteceria no palco, em especial, o movimento coral “Va Pensiero”, o que deixou Lino ainda mais animado. 

Também em julho de 2010, Lino soube que haveria um grande concerto da Cia. Bachiana Brasileira, com gravação de dvd de um repertório inédito para ele, o colonial Brasileiro do Padre José Maurício Nunes Garcia, que aconteceria no Mosteiro de São Bento, no Centro. Ele foi. E mais uma vez, os seus olhos brilharam: “A companhia estava magnífica com seus músicos em belos trajes, iluminação, sincronia nas escadas do altar que serviram de palco e melhor ainda era a harmonia da música colonial brasileira. Foi viciante, a ponto de ativar o gravador de áudio de meu dispositivo e pôr entre as pernas, e assim, eu consegui reproduzir o que escutei, antes de algumas noites de sono” – conta o contratenor. 

Depois de toda esta experiência, ele resolveu estudar música e realizar seu sonho. Foi até a Cia. Bachiana Brasileira e após uma conversa com o maestro fundador, Ricardo Rocha, teve a oportunidade de ingressar no coro da Companhia. Passou a acompanhar aulas de teoria on-line em um canal do YouTube, onde iniciou a formação musical. Desde aquela época, não parou mais. 

Com muito esforço e grande talento, transformou-se em solista. Destacou-se em diversos trabalhos na Bachiana como a Missa em Si menor, de Bach, Gloria, de John Rutter, Stabt Matter, de Rossini e, finalmente estreou como solista com a orquestra em duas montagens de Bach: No Magnificat, em 2019, e na Paixão Segundo São João, em 2021. Recentemente, atuou em mais uma produção, no Prêmio Funarte – V Festival Bach do Rio de Janeiro, no Teatro SESI Firjan. 

“É com orgulho que posso falar sobre o início da vida como cantor de Lino Ramos em nossa Cia. Bachiana Brasileira e, dentro dela e até hoje, de sua migração para uma carreira como cantor profissional de grande talento e rara voz. O momento é o de seu ‘turning point’ internacional, precisando de uma bolsa de estudos, particularmente num dos centros europeus onde poderá especializar-se como contratenor, como Basel, na Suíça, e outros. Quem pode e se habilita a ajudá-lo nessa definitiva transição?” -Ricardo Rocha, maestro, fundador e diretor da Sociedade Musical Bachiana Brasileira

Lino ainda participa da Associação de Canto Coral desde 2013. O maestro Jésus Figueiredo, que é também maestro titular do Coro do Theatro Municipal, comenta a chegada de Lino na ACC: 

“Conheci o Lino em 2013 quando cheguei à Associação de Canto Coral. Logo, o Lino se apresentou por ali e foi cantar no nosso coro sinfônico no naipe dos tenores. Ele permaneceu por alguns meses e depois me procurou dizendo que estava estudando, desenvolvendo a voz para ser contratenor. Naquele momento, eu fiz uma audição rápida com ele pra ver como estava a sua voz e vi que ele tinha boas possibilidades de desenvolver esse lado de contratenor. Assumiu o posto em nosso coro e a partir dali, em 2016, eu o convidei a fazer os solos de contralto do oratório “Israel no Egito”, de Handel. Participaram alguns solistas importantes do cenário carioca e o Lino fez as árias neste oratório e se saiu muito bem. Foi então que em 2018, nós criamos a Camerata Vocal, um grupo bem reduzido, até que chamei o Lino, uma vez que a nossa proposta era fazer desde música renascentista, passando pela música barroca, onde é muito necessário a participação do contratenor, até a música contemporânea. Em 2019, a Camerata Vocal entrou na produção da ópera Theodora, de Haendel, e fez a estreia aqui no Brasil. Lino teve um papel importantíssimo, ele fez o Didymus, um dos protagonistas da ópera, de forma brilhante, se destacando demais na ópera no papel de protagonista.” 

O cantor também é solista do Coral Canuto Régis, um coro de 50 anos de atividades ininterruptas dentro da liturgia.

 

Sobre a Família

Nascido em 13 de novembro de 1992, Lino veio ao mundo na porta da maternidade. Criado por um casal de tios da linhagem materna na baixada fluminense, o contratenor descobriu que o seu talento musical veio por parte da família do pai, pois muitos são cristãos e de denominação Batista ou Presbiteriana. Desta forma, os parentes possuem uma vivência musical bem forte, em especial com a música vocal. Inclusive, existe o “Quarteto Ramos” que se apresenta até hoje em Campos dos Goytacazes, norte fluminense.  

 

Sobre a Cia. Bachiana Brasileira

Corpo artístico da Sociedade Musical Bachiana Brasileira – SMBB, fundada em 1986, a Cia. Bachiana Brasileira também nasceu carioca em 1999, configurando a expressão de uma atitude cujas consequências estéticas constituem a sua meta e o seu principal diferencial. Desde então desenvolve projetos com repertório, elenco e tempo de realização definidos para cada produção, buscando, de forma disciplinada e perseverante, uma sonoridade própria na execução da música de concerto, nacional e estrangeira. A direção e a regência são do seu fundador e criador da SMBB, maestro Ricardo Rocha. O alto padrão de qualidade com que executa do colonial brasileiro e barroco europeu à música contemporânea, explica a posição ímpar que a Cia. Bachiana ocupa hoje no cenário musical brasileiro, como atesta o Prêmio de Cultura do Estado do RJ na categoria Música Erudita, recebido em 2009, com concertos entre os 10 melhores do ano pelo O Globo (2007, 2008,2011), entre outras distinções.

                                                                                                   

Com toda esta história incrível de vida e sucesso, Lino ainda tem um sonho: integrar o Coro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, local que revelou a sua verdadeira vocação.

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