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Carnaval 2021 – GRES Beija-Flor de Nilópolis apresenta sua sinopse elaborada por personalidades pretas

Anunciado no início do mês, em meio às mobilizações contra o racismo que se espalharam pelo mundo, o enredo da Escola de Samba Beija-flor de Nilópolis para o próximo Carnaval ganhou neste domingo (21/06), uma sinopse oficial. Elaborado coletivamente, o texto reúne contribuições de membros da comunidade e indica o caminho a ser seguido no desenvolvimento do tema, que vai exaltar a intelectualidade negra na Marquês de Sapucaí.

O lançamento, promovido por meio das redes sociais, envolveu ainda a divulgação da logomarca escolhida em um concurso para ilustrar o enredo.

“É uma honra estar na beija-flor para viver esse momento. Fui arrebatado pelo tema. O enredo partiu do anseio da nossa comunidade e de todo o mundo do carnaval de que Escola siga levantando essa bandeira, que ela já permeia toda a sua história”, disse Alexandre Louzada.

O carnavalesco que será o responsável pelo desenvolvimento do desfile completa:

“Sei que, nessa empreitada, tenho que empretecer meu pensamento. Isso envolve me colocar numa posição de humildade e estudar a melhor maneira de trabalhar”.

A sinopse, disponibilizada em vídeo e texto na internet, foi elaborada pelo jornalista João Gustavo Melo. Enredista com quase 20 anos de experiência no Carnaval, ele já trabalhou no desenvolvimento de mais de 40 enredos e está fazendo sua estreia junto a Beija-flor.

Na criação do texto, o profissional recebeu sugestões de integrantes da agremiação e as aprofundou com o apoio de referências bibliográficas que incluem obras de personalidades negras. Entre elas, estão a escritora Carolina Maria de Jesus; o jornalista e sociólogo Muniz Sodré; a filósofa e escritora Djamila Ribeiro; a jornalista e economista Flávia Oliveira e o cantor e compositor Emicida.

O resultado final da sinopse inclui ainda uma mensagem de abertura e um epílogo. Junto com a descrição textual do enredo, foi divulgada a logomarca escolhida entre mais de 100 opções criadas a pedido da Escola por seus componentes e admiradores. A imagem conjuga as faces negras de um homem e de uma mulher. Rostos como os deles compõem 53,9% da população brasileira, autodeclarada preta e parda de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Inspirado no movimento afrofuturista, foram usados poucos elementos para este retrato: a transição, em rostos que se completam, entre o ancestral que nos negam e o futuro que nos impedem. Os pensadores angolanos sustentam um título de forma a remeter os pôsteres de apoio a angela davis (filósofa) no movimento antirracista americano. Sim, empretecer o pensamento é pensar como angola, como a áfrica; empretecer o pensamento é enaltecer os seus, os nossos”, justificou andré rodrigues, criador da peça artística ganhadora do concurso.

Devido à pandemia da Covid-19 e seus  desdobramentos, o calendário de criação do próximo desfile tem sido remanejado pela Escola, para preservar a saúde de todos os seus apaixonados. Por isso, todo a elaboração e divulgação do enredo foram conduzidas virtualmente, respeitando medidas de distanciamento social. O mesmo cuidado ocorrerá em outras etapas do processo de construção do desfile, enquanto for necessário.

Confira a sinopse.

GRES Beija-flor de Nilópolis
“Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”
Carnaval 2021

Razão de cantar feliz é poder nos reconhecer através das histórias que revelam a nossa essência. REPRESENTATIVIDADE é fazer parte de uma bandeira de arte e de luta que é exemplo para o nosso povo. É como gostamos de nos ver refletidos. Quem vê a fragilidade do voo de um beija-flor nem sequer imagina quantas vezes o coração bate e qual o tamanho do esforço para chegar à flor. É assim que se dá a ligação entre a bandeira nilopolitana e o nosso povo. É pela alegria e pelo prazer de brilhar na Avenida que superamos as dificuldades vividas durante o ano para no Carnaval sermos a referência de um Brasil mais africano.

A marca de vencer tantos carnavais já nos fez vestir muitas glórias. Porém, muito mais que isso, acreditamos que nossa sina é a afronta, o debate e a provocação artística. É cumprir todo ano a romaria, da Baixada à Avenida para fazer o povo protagonista e proporcionar o destaque que o Brasil sempre nos negou. Olha em volta, é hora de mais um acerto com a história, nosso povo de novo acordou e só está aguardando razão de cantar feliz o ressoar do som do teu tambor.

Sinopse

Este enredo é de autoria coletiva. Foi escrito pelas mãos, vozes e memórias de cada componente da nossa comunidade. A imagem do Pensador, a bela estatueta do povo tchowkwe, que habita a região Nordeste de Angola, inspira-nos a levar para a Avenida um enredo sobre a contribuição intelectual negra para construção de um Brasil mais africano. Nossa civilização conhece e respeita os pensamentos esculpidos em mármore greco-romano. Mas por que não talhar os saberes em ébano? Empretecer o pensamento do mundo é dar a toda a humanidade a oportunidade de uma visão diferente e original, com novos caminhos para o futuro, estabelecendo outras rotas possíveis.

Ao longo do tempo, foram grafadas em pedras duras imagens estereotipadas da África como um ajuntamento de sociedades tribais destituídas de pensamentos e tecnologias. Isto nos impede de ver o legado e a diversidade dos povos e refletir sobre a possibilidade de empretecer o conhecimento humano.

Muitas vezes enquadrada no campo do primitivo e do exótico, nossa forma sofisticada de ver o mundo é desvalorizada por estruturas coloniais racistas que desprezam a riqueza intelectual que produzimos. Por isso, mais do que nunca, é hora de inspirar mentes, trabalhar pelo “reencantamento” de tudo, e talhar em madeira forte nossos saberes, feito sementes espalhadas por soberanos pássaros de ébano.

“No caminho da luz, todo mundo é preto”
(Emicida)

A diáspora do pensamento negro é um jogo de espelhos que faz refletir por muitas e muitas terras, povos e gerações o valor da nossa gente. Um negrume multicor que construiu monumentos em eras gloriosas, e que também passou a sofrer constantes tentativas de apagamento e silenciamento. Mas o legado dos nossos ancestrais persiste nas cores e nas formas que se afirmam pujantes, assim como a saga do nosso povo. Em muitos tons de negro, erguemos totens, esculpimos imagens de adoração de muitas fés, trançamos palha e fibra, entrelaçamos referências, bordamos a geometria das coisas e dobramos o tempo. Como num colar multicor, colocamos nos fios das artes visuais as mais raras pérolas e as contas mais sagradas dos nossos antepassados.

A costura de um tecido de pensamentos sofisticados se dá a partir dos ensinamentos dos antigos para constituirmos a “afrosofia” de hoje. Em memórias transmitidas de geração a geração, somos sujeitos de poder, guiados pelos ancestrais. Produzimos jeitos diversos de pensar o sentido de um mundo plural, mesmo que máscaras brancas sejam colocadas sobre a pele negra. Falamos e escrevemos em bom “pretuguês”, para o mundo inteiro ouvir, o valor das nossas reflexões que se desdobram em ações afirmativas. A voz da intelectualidade altiva e forte se ergue contra as desigualdades, propondo novos caminhos para transformar a realidade em que vivemos. É o levante quilombista em nome de uma sociedade mais justa!

A escrita de nós sobre nós faz emergir uma literatura que não se limita à entronização de heróis coloniais. Nossos personagens são escritos nas frestas, somos filhas e filhos do cotidiano e do épico, da dor e do prazer, dos movimentos sociais e das reflexões coletivas. As fraturas do processo escravocrata se manifestam na inquietação das palavras de azeviche. Imagens “poétnicas” de potência avassaladora, original e amplificadora de sentimentos e revoltas. São faíscas literárias que encandeiam ideias retintas e permitem reescrever mais e mais Brasis.

Sob as luzes – e às vezes sob as sombras – da ribalta, encenamos a liberdade como texto primordial. Nos palcos do Teatro Experimental do Negro, invocamos a energia vital dos antepassados, espelhando a fúria e a brandura das divindades. Alegria e manifestação! Articulações engajadas fazem com que se multipliquem nomes e mais nomes entre a “grande constelação das estrelas negras”. São a essência do vigor dos nossos passos, da expressão maior dos nossos sonhos e dos nossos corpos instruídos de energia e técnica. Somos constante movimento, pois somos filhos de deuses que dançam!

Agora cessem tudo o que antiga musa canta, porque uma flor nasceu no asfalto… E será cortejada por um pássaro de ébano, mestre-sala dos ventos a lufar sementes do samba, criação preta em essência. Filosofia em tambor sincopado que se transformou no maior espetáculo do ayê. Que possamos celebrar a arte que se afirma em cada Carnaval quando uma voz canta e um corpo responde “ao ressoar do som de um tambor”.

Maravilhosa e soberana é a nação que anualmente ritualiza e espalha seus saberes ancestrais. Em Apoteose, vamos elevar nosso cantar feliz a Cabana, o pensador de ébano que, com suas composições e enredos, ajudou a esculpir o Beija-flor no terreiro sagrado do Carnaval.

A ele e todos os ancestrais do samba, dedicamos nosso desfile, exaltando a memória e o trabalho intelectual do povo preto, e evocando o símbolo adinkra do pássaro que, com os pés fincados no chão, olha para trás para poder agir no presente e seguir rumo ao futuro.

Epílogo

A Beija-Flor de Nilópolis, como referência cultural formada essencialmente pelo povo negro da Baixada Fluminense, ao voltar a propor um enredo tendo foco central a intelectualidade negra, reafirma as pautas sociais cujas demandas passam pela defesa do sistema de cotas raciais e pelo cumprimento da Lei 10.639 (atualizada pela Lei 11.645), que trata da obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. Repudia ainda qualquer discriminação religiosa contra o nosso povo, reafirmando a laicidade do Estado brasileiro. E, por fim, torna-se mais uma voz a se levantar contra a violência no país, que tem atingido especialmente corpos negros, vítimas do racismo estrutural que vigora no país. Basta! Seus filhos já não aguentam mais!

Referências:
Vozes e escritas

BATISDE, Roger. A Propósito do Teatro Experimental do Negro in: Teatro Experimental do Negro: Testemunhos. pp. 98-104. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1966. / CARDOSO, Loureço; Muller, Tania M. P. Branquitude: Estudos sobre a Identidade Branca no Brasil. Curitiba: Aprris, 2017. / CONDURU, Roberto. Pérolas Negras – Primeiros Fios: Experiências Artísticas e Culturais nos Fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013. / DEPARTAMENTO CULTURAL DO G.R.E.S. BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS. Exposição 70 Anos Beija-Flor: de Sambas, de Enredos, de Memórias e Comunidade. Rio de Janeiro: 2019. / DINIZ, Alan; FABATO, Fábio; MEDEIROS, Alexandre. As Três Irmãs: Como um Trio de Penetras “Arrombou a Festa”. NovaTerra. Rio de Janeiro, 2012. / DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura Afro-brasileira: Elementos para uma Conceituação. in: Acervo: Revista do Arquivo Nacional. Rio de Janeiro. Arquivo Nacional, 2009. / FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008. / GOMES, Fábio. O Brasil é um Luxo: Trinta Carnavais de Joãosinho Trinta. São Paulo: Centro Brasileiro de Produção Cultural (CBPC), 2008. / JESUS, Maria Carolina de. Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada. São Paulo: Ática Paradidáticos, 2014. / LOPES, Nei. Poétnica. Rio de Janeiro: Mórula, 2014. / MOTTA, Aydano André. Maravilhosa e Soberana: Histórias da Beija-Flor. Rio de Janeiro: Verso Brasil, 2012. / NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo: Documentos de uma Militância Pan-africanista. 2a. ed. Brasília/Rio: Fundação Cultural Palmares; O.R. Editora, 2002. / OLIVEIRA, Flávia. A Agenda das Negras é Tudo. Jornal O Globo. Publicado em 17/08/2018. / RIBEIRO, Djamila. Quem Tem Medo do Feminismo Negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018. / RUFINO, Luiz; SIMAS, Luiz Antonio. Fogo no Mato. Rio de Janeiro: Mórula, 2018. / SANTOS, Joel Rufino dos. Épuras do Social: Como Podem os Intelectuais Trabalhar para os Pobres. São Paulo: Global, 2004. / SIMAS, Luiz Antonio. O Corpo Encantado das Ruas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019. / SODRÉ, Muniz. Samba, o Dono do Corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998. / TRINDADE, Solano. Poemas Antológicos de Solano Trindade. São Paulo: Nova Alexandria, 2007. / TRINDADE, Alexandre Dantas. André Rebouças: um Engenheiro do Império. São Paulo: Huci

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