Durante a Festa da Vitória, realizada em sua quadra no último domingo (22/04), a Escola de Samba Corações Unidos do Jardim Bangu divulgou a sinopse do seu enredo para o carnaval 2019 – “De Sol a Sol vou levando meu Sertão, de autoria e desenvolvimento dos carnavalescos Ismael Costa e André Araújo. O concurso de samba-enredo será realizado no mês de setembro.
No próximo carnaval, a agremiação será a 1ª a desfilar pela Série C, na Intendente Magalhães, na segunda-feira de folia (04/03/2019).
Confira a sinopse.
CARNAVAL 2019
ENREDO: DE SOL A SOL VOU LEVANDO MEU SERTÃO
INTRODUÇÃO
A flor do mandacaru inspirou o G.R.E.S. Corações Unidos do Jardim Bangu a contar a saga do sertão, terra do mandacaru, de gente que, como a flor do sertão, resiste ao ambiente inóspito com delicadeza e beleza. Gente que planta, benze e luta para manter tradições.
Diz à lenda que, se a flor desabrochar no meio do sertão, durante a noite, é sinal de muita chuva, fartura, alegria, amor e festança. A floração que ocorre, nessa hora, é uma grande esperança para os sertanejos. Eles passam a ter a expectativa de que se chover, a colheita será boa e farta.
Tudo estava previsto: quando, na véspera de São João, a flor do mandacaru desabrochou e fez a Jardim Bangu cantar esta história…
SINOPSE DO ENREDO
Debaixo do céu azul, o sol queima a pele e plantações. A água é escassa, a seca domina tudo, o sol inclemente castiga fortemente a vida. Os rios secam, as árvores despojam-se de sua folhagem, os ventos são quentes e secos, e o gado, incluindo as cabras andam a procura da escassa vegetação.
Porque tamanha judiação do povo e das terras do sertão?
Terra tão seca que arde como o sol, igual às chamas de uma fogueira em época junina, e por falta da chuva nada nasce e a seca continua assolando a vasta região, obrigando a asa branca bater asas do sertão.
Mas a ave valente, símbolo de tristeza, atrevimento e crueldade não vai sair, nem morrer de fome. “Carcará quando vê a roça queimada vai fazer sua caçada. Carcará come até cobra queimada.“ Carcará tem que matar para sobreviver. “Carcará: Pega, mata e come!”
Carcará, também, representa resistência e perseverança. Assim é o povo sertanejo: heroico, forte, valente, corajoso, pois enfrenta os desafios difíceis da vida com determinação e valentia. Não se entrega.
Ser cabra é preciso! Para resistir à seca e as adversidades da vida do sertão.
Foi nesta aridez, junto à caatinga e o cangaço que o amor de Lampião e Maria Bonita floresceu. As heranças deixadas pelo cangaço são diversas e as histórias são relembradas até hoje. Para as autoridades simbolizava a brutalidade e o mal a ser extirpado; para parte da população do sertão, encarnava valores como bravura e o heroísmo. O casal era unido e temido em todo o sertão. Vários cangaceiros tiveram seus nomes gravados pela história, mas nenhum deles destacou-se tanto quanto Lampião o “Rei do Cangaço”, o rei das caatingas e mandacarus.
Os sertanejos são conhecedores do simbolismo e das riquezas do mandacaru. Planta que retrata bem o sofrimento de um povo de raça, e também de gerações que resistem às adversidades do sertão nordestino.
Valente, resiste imponente, consegue ser verde, onde a cor predominante é a do chão queimado. Parece querer dizer, que é possível nascer e se desenvolver em meio a tanta desesperança. Cresce forte e se protege dos predadores, gerando espinhos finos e afiados, e o mais impressionante é que consegue, num gesto inexplicável, dar uma flor de rara beleza. Símbolo de resistência, o mandacaru e sua belíssima flor serviram de inspiração para poetas que cantaram e se encantaram com a força e a riqueza dessa planta da caatinga.
“Mandacaru quando fulora na seca
É o sinal que a chuva chega ao sertão…”
“Quero ser lembrado como sanfoneiro que amou e cantou muito seu povo, o sertão, que cantou as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes, os valentes, os covardes, o amor.”
Luís Gonzaga do Nascimento, conhecido também como “O Rei do Baião”, foi uma das mais completas e inventivas figuras da música popular brasileira, levou a alegria das festas juninas e dos forrós pé-de-serra, bem como a pobreza, as tristezas e as injustiças de sua árida terra, o sertão nordestino, ao resto do país, numa época em que a maioria das pessoas desconhecia o baião, o xote e o xaxado.
O calor e a falta d´água ressecam a terra, mas não a alma do sertanejo. Diante de tamanho sofrimento, ele se dirige ao céu em prece, pedindo forças para superar tantas provações. A seca parece engolir tudo, menos a fé!
Valei-me Padim Ciço! “Tão milagreiro, sou romeiro do sertão.”
De todos os lugares eles partem, em busca de algo que justifique a existência e a própria esperança nordestina. Maltrapilhos, sofridos pela luta diária e árdua com a terra, cansados da longa jornada levam no coração, uma só riqueza: a fé. São os romeiros na eterna travessia dos sertões, onde a sobrevivência, às vezes, está além de qualquer força.
A fé do sertanejo é grande demais, resiste à fome, à sede, à tristeza e demonstra a continuidade de gerações, que buscam nas orações, um conforto perante os problemas da vida. É da fé, que vem a esperança, pedindo a Deus que chova e alimente de vida no sertão.
Nas mãos, os agricultores carregam terços e imagens de santos que têm um significado especial e faz parte da cultura do povo. Segundo a tradição, caso chova no dia 19 de março, dia de São José, é sinal de que o ano será de muita chuva, garantido a safra e a mesa farta das pessoas.
Quando ocorrem as primeiras chuvas, a natureza se renova, mostra o poder de mudança da caatinga, o tom cinza das matas transforma-se em um verde vivo e viscoso. As terras preparadas, reviradas para o plantio do milho, se sobressaem com o tom marrom. O solo é cultivado, até que a lavoura o encubra, fazendo com que a sua gente esqueça os intermináveis meses de secura, intenso calor e, ainda aridez.
O entardecer torna-se mais alegre, com cheiro de terra molhada se espalhando pelo campo e misturando-se ao aroma das flores nativas. Com verde do campo, a natureza se renova, renasce a verde esperança!
Se o sol reina de dia, à noite é a lua que se destaca.
“Não há, ó gente ó não,
Luar como esse do sertão…”
Gente, não tem lugar no mundo onde a noite se vista tão bonita. Aquele lindo clarão parece incendiar a escuridão. É este astro que prateia as noites juninas do sertão.
Anarriê! Os arraiás e as quadrilhas se espalham pelo sertão!
As comemorações homenageiam três santos católicos: Santo Antônio prepara suas bênçãos casamenteiras regadas a fogos de artifício; São Pedro abre o céu para presentear a celebração; e São João, que batiza a festividade, recebe as homenagens. O fato é que, com as festas juninas, o sertão ganha cores, ritmo e sabores. Alegria contagiante!
Além das homenagens, as festas também servem para agradecer as chuvas raras que costumam acontecer nesta época do ano, que servem para manter a lavoura, já que a região é marcada pela quase imutável seca.
Contudo, ainda que a seca retorne a região, o mato comece a perder o viço e acinzentar e o sol, o calor impiedosos tomem conta de tudo novamente, se engana quem imaginar que a fé será diminuída. Com isso, continuam as promessas para que as chuvas continuem caindo e a sobrevivência seja garantida, através da terra.
E que nesta noite, a flor da folia floresça em todos os corações, com a mesma força que possui a flor do mandacaru, levando para o carnaval chuva de alegria, amor, resistência e esperança, trazendo para o desfile da Jardim Bangu, um sertão iluminado.
Comissão de Carnaval 2019
Ismael Costa e André Araújo
Trechos de músicas citadas:
Carcará – (João do Vale e José Cândido, 1965); O Xote das Meninas – (Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1953); Luar do Sertão – (Catulo da paixão Cearense e João Pernambuco, 1914).