Artistas cariocas ganham bolsa para desenvolver obras durante o ArtSonica Residência Artística

0
1402

Três projetos de arte pensadas por artistas do Rio de Janeiro que utilizam multilinguagem garantiram espaço no Artsonica – Residência Artística, realizada pela Zucca Produções em parceria com Oi Futuro e Ministério da Cultura. Manaíra Carneiro, Victor Hugo Rodrigues e Mariane Martins, moradores da Zona Norte, utilizará realidade virtual para abordar a violência social nas favelas do Rio com a obra “Perspectivas do Helicóptero”. Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha utilizarão artes visuais e audiovisual para desenvolver uma vestimenta inspirada nas comunidades ribeirinhas e Rio Xingu, o “Aliendígena 2042”. Por fim, Clara Kutner trabalhará seu projeto “Som – Uma coreografia para surdos”, uma experiência sensorial a partir de vibrações da dança flamenca reproduzidas por alto-falantes de grande potência.

Cada uma das obras poderá ser desenvolvida durante o período corrido de oito semanas seguidas. Para isso, durante a residência, os selecionados receberão mentoria com profissionais de excelência e poderão utilizar os equipamentos do recém-inaugurado LabSonica, laboratório de inovação e criatividade com estúdios de som e vídeo, coworking e ambiente para oficinas e ensaios. Os artistas cariocas estão entre os dez criadores brasileiros comtemplados com bolsas de R$

20 mil a R$ 40 mil. Ao final das residências, todos deverão entregar uma obra resultante do seu trabalho no LabSonica, que fará parte de uma exposição coletiva, programada para acontecer no Oi Futuro, no Flamengo, em agosto e setembro de 2019.

“Perspectivas do Helicóptero”, de Manaíra Carneiro, Victor Hugo Rodrigues e Mariane Martins, será o primeiro projeto a entrar no circuito de criação a partir de setembro. A proposta é a realização de vídeo instalação em Realidade Virtual cuja experiência oferecida aos visitantes será a partir de duas perspectivas de uma mesma temática: a violência bélica no Rio de Janeiro nas favelas cariocas sendo a primeira perspectiva uma experiência e contato (através do vídeo) de forma distante, e a segunda, com efeito de proximidade e empatia com os moradores desses locais. A ideia central é sensibilizar os visitantes para as mortes causadas por operações policiais. O projeto para o ArtSonica – Residência Artística nasceu após a investigação de mestrado de uma das integrantes do coletivo de arte e comunicação Fluxos Urbanos.

“O helicóptero é um dispositivo chave, que melhor contém a máquina de ódio que se construiu para controlar e combater as favelas em vários aspectos como delimitação do espaço físico, controle de bailes funks, limitações de acesso a transporte etc. De dentro dele onde só é possível enxergar de longe (de cima), de uma distância que, afirmam alguns, é a mais apropriada para se falar sobre o que viria a ser a “verdade” sobre a favela. Sendo mais claros, essas “verdades” (ditas do alto do helicóptero) solidificaram um século de estereótipos e preconceitos no imaginário brasileiro acerca das populações faveladas.

O Helicóptero, aqui, é, portanto, é um grande representante da forma com a qual a sociedade não-favelada percebe as favelas, ou seja, como territórios a serem erradicados de todas as formas possíveis”, explica Manaíra Carneiro.

As artistas Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha utilizarão artes visuais e audiovisual para desenvolver uma vestimenta technoxamânica inspirada nas comunidades ribeirinhas e Rio Xingu, o “Aliendígena 2042”, que será usada pela performer Gabriela Carneiro da Cunha. Numa instalação sonora, videográfica e performativa, a artista apresentará ao público o testemunho do Rio Xingu e dos povos que vivem nas suas margens. O trabalho visa fazer chegar essa realidade distante do Norte do país àqueles que aqui chamamos de “povos sem ouvidos do sul” – nós.

Importante ressaltar que todo este experimento parte de uma provocação ética do xamã Davi Kopenawa e das cosmovisões yanomami que nos colocam a necessidade de “fazer morrer os olhos e ouvidos para se aprender”.

A criação faz parte de um processo maior, o Projeto Margens – sobre rios, crocodilos e vagalumes, que se dedica há mais de 2 anos na escuta e amplificação do testemunho de três rios brasileiros que estão vivendo uma experiência de catástrofe: Rio Xingu, Rio São Francisco e Rio Doce. A partir desse conceito, compreendemos que quando o homem passa a ser a catástrofe outros seres vivos devem também tomar “a palavra” e dar o seu testemunho. Este projeto foi contemplado pela bolsa de pesquisa FAPERJ 2016 – Programa de Estímulo a criação, a experimentação e a pesquisa artística, e pela bolsa FUNARTE de formação artística. Bolsas que viabilizaram a pesquisa teórica e de campo do projeto e foram finalizadas em março de 2018. Durante as pesquisas duas viagens à campo foram realizadas, totalizando três meses nas cidades de Altamira e Belém, rendendo mais de 40 horas de material em áudio e vídeo.

A obra criada durante o ArtSonica Residência Artística se propõe a criar um espaço de escuta de vozes que estão alhures materializadas em seres humanóides – as caixas de som com pen-drives. Cada caixa de som trará uma voz escutada nas margens do Xingu, entre elas: os ribeirinhos expulsos das ilhas onde moravam, o povo indígena Araweté, o povo indígena Juruna, personalidades locais.

Por fim, a artista multimídia e bailarina flamenca Clara Kutner trabalhará a obra “Som – Uma coreografia para surdos”. O projeto nasceu da vontade da artista em conectar o universo da dança flamenca à produção cultural acessível para surdos. Depois de concluída a criação vai proporcionar uma experiência sensorial da dança flamenca transmitida por meio de uma plataforma vibratória instalada em uma cabine acústica, que irá reproduzir o som mecanicamente através de alto-falantes de grande potência enquanto uma coreografia será exibida em uma tela.

Para isso a artista utilizara os recursos técnicos do LabSonica para gravação de som e vídeo, estúdio acústico, ensaio da coreografia e a ajuda dos mentores do ArtSonica. O projeto conta também com a participação de uma equipe especializada e com uma parceria com do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que indicará colaboradores surdos para o desenvolvimento do projeto.

A apresentação do processo criativo para o público terá a participação do bailarino surdo Lucas Lima, 21 anos, morador da Taquara e integrante do grupo de alunos do Centro de Artes da Maré, cujo sonho é se tornar o “primeiro dançarino surdo” de uma companhia de dança brasileira.

“Dentro da cabine a pessoa terá a sensação da bailarina que está dançado na projeção, quando os pés dela baterem no chão de madeira.

Esse movimento estará sincronizado com as vibrações que serão amplificadas no piso da plataforma no centro da cabine. Da mesma forma, o som da guitarra e do cajón (instrumento de percussão em forma de caixa) também serão emitidos através das vibrações dos alto-falantes instalados nas paredes da cabine”, explica Clara Kutner.

Ao todo, 378 empresas brasileiras de produção cultural, representando artistas ou coletivos, se inscreveram na seleção. A escolha foi feita por uma comissão curadora, incluindo pessoas de diferentes áreas e notório saber artístico, formada por: Carlito Azevedo (literatura), Chico Dub (música), Diane Lima (moda e artes urbanas), Floriano Romano (artes visuais), Ivan Sugahara (artes cênicas); além de representantes do Oi Futuro e da Zucca Produções.

“O processo de escolha dos residentes foi um grande e prazeroso aprendizado. Foi o primeiro projeto de residência artística da Zucca e a primeira vez que promovemos uma seleção pública para escolher artistas. Felizmente, as pessoas entenderam a nossa proposta e enviaram trabalhos sensacionais. Recebemos um ótimo número de inscrições de muitas localidades do país, a grande maioria com pesquisas criativas e relevantes. Estamos felizes com o resultado e animados, tanto em acompanhar de perto as residências, como para preparar a próxima seleção de outros dez artistas para o ano que vem”, afirma Júlio Zucca, idealizador do ArtSonica.

“O ArtSonica dá início à ocupação do LabSonica, espaço criado pelo Oi Futuro para estimular pesquisas inovadoras em torno do som, que podem ou não ser relacionadas à variedade e criatividade da música brasileira, em suas diferentes formas”, diz o gerente executivo de Cultura do Oi Futuro, Roberto Guimarães. “Acreditamos na infraestrutura disponibilizada no LabSonica, como equipamentos para gravação de som e vídeo, estúdio acústico e internet de alta capacidade, como alavanca para catapultar os bons projetos que foram selecionados”.

O ArtSonica – Residência Artística manteve as inscrições abertas por quase dois meses – entre maio e julho deste ano – por meio do site  www.artsonica.com.br. O desafio lançado foi aliar uma pesquisa artística à criação de uma obra de arte multilinguagem. Agora, os dez escolhidos receberão uma bolsa que pode variar de R$ 20 mil a R$ 40 mil, dependendo das características de cada proposta, para cobrir todos os custos do processo criativo, incluído a estadia na cidade, entre agosto de 2018 e junho de 2019.

Além dos recursos tecnológicos de ponta oferecidos pelo Labsonica, os selecionados também contarão com apoio de técnicos de estúdio, equipes de produção de conteúdo para redes sociais e assessoria de imprensa para que divulguem os trabalhos em desenvolvimento. Os residentes exibirão etapas de sua criação e pesquisa para a população em diversas ocasiões, sempre com entrada franca; transmissões na web em tempo real; palestras (PapoSonica), nas qual os artistas podem convidar um especialista para falar sobre um tema ligado ao projeto ou assumir essa tarefa; apresentação de seus processos criativos.

Ao final das residências, todos deverão entregar uma obra resultante do seu trabalho no LabSonica, que fará parte de uma exposição coletiva, programada para acontecer no Oi Futuro, no Flamengo, em agosto e setembro de 2019.

O ArtSonica – Residência Artística tem patrocínio da Oi, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), e apoio do Oi Futuro e do LabSonica. O objetivo é avançar sobre a missão do Oi Futuro, que é fomentar a inovação, promover experiências criativas de todas as áreas e estimular conexões para potencializar o desenvolvimento coletivo e pessoal.