A Escola de Samba Acadêmicos do Cubango, que desfila pela Série A do carnaval carioca, divulgou a sinopse do enredo que apresentará no carnaval 2019 – “Igbá Cubango – A alma das coisas e a arte dos milagres”, de autoria de Gabriel Haddad, Leonardo Bora (carnavalescos) e Vinícius Natal.
Confira a sinopse.
G.R.E.S. Acadêmicos do Cubango – Carnaval 2019 “Igbá Cubango – A alma das coisas e a arte dos milagres”
Objetos de poder, objetos de devoção, objetos-dádivas, objetos que possuem alma e contam histórias, objetos de pedir e pagar, objetos que traduzem graças, objetos encantados, objetos-amuletos, objetos-relíquias, objetos que operam milagres – e que mentem milagres também. O GRES Acadêmicos do Cubango pede a proteção de Babalotim, o “ídolo menino” que completa 40 anos, e agradece a São Lázaro, o padroeiro, pelo sonho vivido no último cortejo. Romeiro, cada sambista carrega consigo as suas obrigações. O que pretendemos contar são causos da religiosidade popular brasileira a partir da relação de cada sujeito com os seus objetos de culto. Somos devotos dos tambores
ancestrais: rum, rumpi e lé. O desfile é o nosso ex-voto, o samba é a nossa graça. Porém é preciso cuidado com as promessas dos falsos profetas – novíssimos Reis da Vela com as suas coroas de lata, votos que perpetuam o medo e o preconceito.
Sambemos!
Carrego de Exu eu não quero carregar. Mas amuleto, o que é que há?
– Ko si ọba kan, ofi, Ọlọrun.
SINOPSE DO ENREDO
1 – Igbá Cubango
Na festa de Domurixá em homenagem a Oxum Deusa da nação Ijexá onde a figura principal era o boneco Babalotim mensageiro da alegria, da força do axé um ídolo menino, levado por menino em sua fé e assim teve origem o Afoxé.
Heraldo Faria e João Belém – Afoxé
Igbá Cubango! Guardamos nessas cabaças as memórias antepassadas.
Fundamentos. Levamos para a Avenida o peji das nossas vitórias:
evocamos o dom de Afoxé, o samba que se fez milagre. Assentamos, aqui, nossa história. Da palha fazemos um trono. O ídolo-menino de outrora é revivido na Passarela: que todo componente da escola a ele dirija um pedido. Valei-nos, Babalotim! Oxum traz os seus axés: pedras do fundo do rio, pentes de tartaruga. Otás. São Lázaro se transforma: Obaluaê, Omolu, Xapanã, na porta da nossa quadra, no Morro do Abacaxi. Saúda e protege os sambistas, que a ele oferecem presentes. Giram laguidibás, giram saias, giram guias. Chifres de búfalos, asas de besouros.
Mães-baianas, turbantes e panos da costa, cobrem o chão de pipocas. As mãos nos atabaques, os pés na terra. Os corpos-terreiros fervem e alguém, enfim, anuncia: agarrem as suas figas para mais uma sagração!
2 – De pedir proteção
Laguidibá não é simples ornamento é colar de fundamento você tem que respeitar (…) Laguidibá é adereço muito certo é coisa de santo velho do Antigo Daomé.
Nei Lopes – Laguidibá
Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. O barroco tropical brasileiro reuniu em um mesmo oratório as relíquias dos santos de lá às penas caboclas de cá. Nos balangandãs de prata, romãs e muiraquitãs. Medalhas. Uma figa, uma rosácea, um coração, um crucifixo. Búzios, firmas, fitas, fios de conta. Dentes de animais encastoados. Pulseiras, colares, cocares. Calungas. Me banhei com guiné, alfazema e dandá. Defumei com quarô, benjoim. Patuás.
Ourivesaria sagrada, jóias de mandingueiras. Quase tudo se faz amuleto, pedir proteção é de praxe – “basta encontrar na rua um fetiche qualquer, pedra, pedaço de ferro ou concha do mar”, escreveu João do Rio, nas quebradas. O seguro morreu de velho e é preciso se
precaver: fechar o corpo, tomar a sorte, ganhar coragem, fazer os nós.
Nos sacrários das sacristias, nos segredos dos Candomblés. Ebós.
Arriar comidas nos entroncamentos. Carrancas pra navegar, máscaras nos bailados. Terços e escapulários – e um pouquinho de pó de pemba.
3 – De pagar promessas
No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte. As coxas das romeiras brincam no vento.
Os homens cantam, cantam sem parar.
(…)
No adro da igreja há pinga, café, imagens, fenômenos, baralhos, cigarros e um sol imenso que lambuza de ouro o pó das feridas e o pó das muletas.
Carlos Drummond de Andrade – Romaria
Pedido feito, graça recebida – então é preciso pagar. Caminhar, seguir romaria. Carregar uma cruz tão pesada, o drama de Zé-do-Burro. Nas mãos calejadas da lida, cem mil corações em brasa. Ex-votos do Brasil inteiro desenham um mapa de pernas. O catolicismo popular expressa as andanças da nossa gente: Bonfim, Nazaré, Matosinhos, Bom Jesus, Pai Eterno, Canindé, Monte Santo, Juazeiro, e lá se vai a multidão cantando. Que ex-voto levo à Aparecida, se não tenho doença e só lhe peço a cura? – questionou Adélia Prado. São Judas Tadeu – Niterói. A Candelária, a Penha, a Penna. Nos “museus das promessas ou dos milagres”, como o descrito por Jorge Amado, vê-se a sobreposição de
dádivas: barro, cera, madeira, papel. São partes do corpo, são pinturas, são retratos e miniaturas (de casas, de bichos, de barcos, de gratidão). Cartas, bilhetes, roupas, diplomas. Vitalino esculpiu ex-votos, Mestre Fida é uma referência. Artistas contemporâneos revisitam o imaginário – mesmo o Bispo do Rosário, que tanta alegria nos deu, a quem novamente rogamos: olhai por nós, nobre peregrino!
Cada rosto esculpido foi dor alentada. (…) Deixa a dor nas aras, como ex-voto aos deuses – e segue o teu destino!
4 – Da (falsa) promessa que é dívida
HELOÍSA – Ficaste o Rei da Vela!
ABELARDO I – Com muita honra! O Rei da Vela miserável dos agonizantes.
O Rei da Vela de sebo. E da vela feudal que nos fez adormecer em criança pensando nas histórias das negras velhas… Da vela pequeno-burguesa dos oratórios e das escritas em casa… (…) Num país medieval como o nosso, quem se atreve a passar os umbrais da eternidade sem uma vela na mão? Herdo um tostão de cada morto nacional!
Oswald de Andrade – O Rei da Vela
Mas há os falsos profetas e as falsas promessas à venda. Objetos de todo tipo, no shopping-cassino da unção. É água de benzer camisa, é caneta de assinar contrato, é tijolo para erguer a casa, é vassoura de varrer o diabo. Travesseiros para sonhos bons, redes de pescar vitórias. E velas aos borbotões! Não é outro que não a vela o mais famoso objeto votivo: de pedir, pagar, prometer. Abelardo I, o Rei da Vela, lucrou e fez fortuna explorando a miséria alheia. A crítica de Oswald de Andrade, Antropofagia e Tropicália, permanece ferida aberta no peito do Brasil atual. São promessas que viram cifras e moedas que se avolumam: qual é o preço a se pagar por um lugar confortável no céu? E que céu tão nublado é este, que mais exclui do que celebra a diferença? Dívidas que se pagam a preços exorbitantes – inclusive um outro tipo de voto, nem devoto nem ex-voto: o voto depositado nas urnas eleitorais.
Que as velas acendam pedidos de dias mais iluminados. Afinal, já dizia o poeta: há sempre uma promessa de alegria… Amém, Axé, Evoé, Saravá!
-Glória pro fio de Exu!
Gabriel Haddad e Leonardo Bora
Carnavalescos
Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinícius Natal Autores e pesquisa do enredo
Nascido de uma confluência de sonhos, sequências de sincronicidades.
Agradecimentos especiais a Thiago Hoshino e Fred Góes.
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Canções mencionadas no texto:
Afoxé, Heraldo Faria e João Belém
Feita na Bahia, Roque Ferreira
Laguidibá, Nei Lopes
Poemas e demais textos literários mencionados no texto:
Alegria, entre cinzas, Carlos Drummond de Andrade Bahia de Todos-os-Santos, Jorge Amado Ẹlẹgbara, Alberto Mussa Ex-Voto, Adélia Prado Ex-Votos, Aninha Duarte Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (capítulo Macumba), Mário de Andrade Manifesto Antropófago, Oswald de Andrade No mundo dos feitiços, João do Rio O Pagador de Promessas, Dias Gomes O Rei da Vela, Oswald de Andrade Romaria, Carlos Drummond de Andrade Segue o teu destino, Ricardo Reis e Fernando Pessoa